O cerco da Lapa é o título de um dos mais significativos eventos da história da República brasileira. A crônica registra que, em 4 de janeiro de 1894, os federalistas estabeleceram seus planos para a conquista do território paranaense. Cinco dias mais tarde ocuparam Curitiba, após fraquíssima oposição. Depois, conquistaram Tijucas, sitiada por 1.800 homens de Aparício Saraiva, admitindo o comando federalista, em boletim, que “os inimigos se bateram valentemente”. O cerco completou-se na Lapa, ensejando os combates que marcaram a épica resistência chefiada pelo Coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro (1846-1894). Um dia antes, sem o saber, o herói fora promovido a General de Brigada, por sua bravura ao enfrentar as forças conjugadas de Gumercindo, Aparício Saraiva, Laurentino Pinto Filho, Torquato Severo e Juca Tigre, em um contingente de três mil homens.
Entre os dias 17 de janeiro a 10 de fevereiro de 1894, os maragatos (termo castelhano pejorativo que identificava os federalistas) tiveram interrompida a marcha para São Paulo rumo ao Rio de Janeiro a fim de se oporem a Floriano Peixoto (1839-1895). Segundo o historiador Ruy Wachowicz, o Paraná teve um “papel decisivo e de relevo nessa revolução sangrenta. Proporcionou ao governo central do Marechal Floriano, na época o símbolo da República e da legalidade, o tempo suficiente para a aquisição no estrangeiro de uma esquadra, bem como para a organização, em São Paulo, das forças necessárias para deter e repelir o avanço federalista. A prolongada resistência da Lapa foi decisiva na concretização desses planos e impediu o ataque ao Estado de São Paulo, o qual desta forma teve o sossego e o tempo necessário para mobilizar-se” (História do Paraná, 1988, p. 165).
Entre muitos, dois aspectos ficaram indeléveis na história do Paraná e do Brasil. O primeiro foi a intimorata defesa da cidade e dos ideais republicanos. Lembra o Professor David Carneiro que, na manhã do dia 22 de janeiro, os federalistas mandaram três homens falar com Carneiro e propor-lhe as condições de rendição: foram recebidos à bala, antes de poderem falar. No dia 7 de fevereiro, o Coronel Gomes Carneiro é ferido quando procurava socorrer o patriota Henrique dos Santos. Levado para uma casa amiga, recebe a visita do Dr. João Cândido Ferreira, o médico e sábio professor, capitão do cerco da Lapa, avô materno de Francisco Cunha Pereira Filho (notável criminalista dos anos 50/60 e depois proprietário da Gazeta do Povo). Prossegue a narrativa do mestre David Carneiro: quando o Dr. João Cândido, após sentir a contextura de um pedaço de matéria orgânica que saíra pela ferida, nas costas, e tentar dizer que era um coágulo de sangue, Carneiro resistiu mais uma vez: “Qual; é fígado; é rijo demais para ser um coágulo de sangue.” E acrescentou com estoicismo: “Mas seja qual for a gravidade do ferimento, o Dr. dirá que o ferimento é leve”. E, no dia 9, repetia aos oficiais que lhe iam pedir ordens que somente haveria uma única: “Resistir a todo transe”. Faleceu às 18h30min após um delírio prolongado, ao sentir-se reanimado com os tiros que ouvia (O Paraná na história militar do Brasil, 1995, p. 277).
O segundo aspecto foi o reconhecimento dos invasores quanto à coragem cívica dos resistentes. Na ata lavrada aos 15 dias de fevereiro de 1894, no Quartel General da 2ª Brigada, os generais Gumercindo Saraiva, Antonio Carlos da Silva Piragibe e Laurentino Pinto Filho, autodenominados “representantes do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil”, aceitaram a capitulação dos comandantes e oficiais das brigadas, concedendo-lhes “todas as honras de guerra, atendendo a forma heroica porque defenderam a praça, rendendo-se apenas por circunstâncias especiais supervenientes, sendo-lhes entregues todas as armas, munições e tropas”, além da plena liberdade e meios de transportes dentro do Estado, para, com seus bagageiros, tomarem o destino que lhes conviesse (David Carneiro, obra citada, p. 280).
A República que a Lapa consolidou com Carneiro, Dulcídio, Amintas de Barros, Lacerda e uma plêiade de bravos não era apenas um projeto de Benjamin Constant, rematado por Deodoro. Ela significava o sentimento nativista brasileiro, que se iniciou com a expulsão dos holandeses e se constituía no sonho dos que queriam um Brasil livre, governado por brasileiros. Os heróis da Lapa – como carinhosamente são chamados pela memória histórica – souberam resistir e lutar prolongando os seus exemplos de vida para muito além da morte física.