No meio dos anos sessenta a companhia de teatro liderada por Manuel Pêra (1894-1967), ator português radicado no Brasil, pai da famosa atriz, Marília Pêra (1943-2015), esteve em Curitiba e encenou uma das prestigiadas peças de Jean Paul Charles Amara Sartre (1905-1980). O título dado à obra na publicidade era esquisito: “A respeitosa …”. Assim mesmo, com o sinal gráfico de reticências. Fui assistir à encenação cujo título original era “A respeitosa prostituta”, texto que não se harmonizava com o conteúdo do anúncio, pois o drama ficcional teria ocorrido nos Estados Unidos e girava em torno de preconceito racial. Mas ao entrar no pequeno auditório do Guaíra logo percebi que os três pontinhos eram um enfeite da Ditadura Militar (1964-1985) para disfarçar a grosseira censura da palavra “prostituta”. No mesmo ano, em Macapá, o grupo teatral chegou a receber voz de prisão pelo uso da “obscena” palavra.
Era o tempo do regime militar, ditadura que permaneceu 21 anos no país (1964-1985) e que fez da censura prévia o tacape e a guilhotina para decepar expressões literárias e artísticas. Um notável jornalista, teatrólogo, escritor e humorista da época, Sérgio Porto (1923-1968), criou um inesquecível personagem a quem deu o título de Stanislaw Ponte Preta e que viveu como a encarnação do riso popular e da crítica, alegre e festiva, maliciosa e amena, mas nem por isso menos contundente contra a estupidez humana dos detentores do poder político e figuras públicas engajadas na indústria da imbecilidade contagiante. Foi com as estocadas de Ponte Preta que o Brasil iria rir às gargalhadas com o FEBEABÁ, sigla de “Festival de Besteira que Assola o País”.
O fantástico crítico de hábitos e costumes teria, nos dias atuais, um grande material para dissecar exemplos das idiotices produzidas pelos agentes dos três poderes da República, a exemplo do Projeto de lei nº 2.630/2020 aprovado com urgência e estultice por um número expressivo de senadores. Foram 44 votos a favor e 32 contrários com duas abstenções.
O autor da referida proposta legislativa – jocosamente chamada “projeto das fake news” alega que ela seria “um meio de fortalecer a democracia, reduzir a desinformação e o engano, mediante o combate às informações falsas ou manipuladas nas redes sociais”.
O projeto que está atualmente na Câmara dos Deputados não conseguiu convencer as pessoas mais esclarecidas de sua validade jurídica e importância social. Na verdade, ele sim, é uma falsidade porque procura manipular palavras e ideias que não escondem a sua gritante inconstitucionalidade e inequívoca má-fé. Seu claro, malicioso e escandaloso propósito é “comprometer a operação de aplicações de internet no país, no momento em que a população brasileira conta com ele para se manter conectada diante da pandemia e milhões que usam tais plataformas para enfrentar a crise econômica resultante do covid 19”, como afirmam inúmeros cidadãos de boa-fé. Sem dúvida é mais uma forma de garrote à liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação que a Constituição garante “independentemente de censura ou licença“ (art. 5º, incisos IV e IX).20