“A leitura dos originais do livro de Ayrton Baptista, com a coleta e a escavação de personagens e fatos da história política recente de nosso país, o testemunho da vivência diuturna na redação de jornal e a peregrinação em busca de notícias, provocou-me a instigante sensação de recuperar imagens, pensamentos, atitudes e palavras que aparentemente estavam mortas. Com a clareza de sol mediterrâneo e um estilo sedutor ele devolve ao presente os lugares, as figuras e as emoções que estavam incubadas no passado. Parafraseando às avessas o título do clássico de Marcel Proust (‘A la recherche du temps perdu), pode-se dizer que a reunião de textos vai a procura de um tempo que não se perdeu”. Assim começa o prefácio que redigi a pedido de Ayrton Baptista (1933-2019), para o seu livro de memórias Quase só Jornal.
Jornalista, ex-presidente do sindicato da categoria por três mandatos e ex-presidente da Federação Nacional de Jornalistas, Professor do Curso de Comunicação da UFPR e Secretário de Estado do Paraná em dois governos.
Nas páginas de Quase só Jornal o leitor pode acompanhar a vida, a paixão, a morte e a ressurreição do Diário do Paraná, que nasceu em 29 de março de 1955. Era o órgão local dos diários e emissoras associados, da cadeia de Assis Chateaubriand (1892-1968), o nosso Citizen Kane. Eu também estive algum tempo naquele palco iluminado que era a redação do jornal. As notícias surgiam de boca a boca, do telefone e do telex. Nos gloriosos anos cinquenta, eu mantinha uma coluna de teatro e outra de crônicas. A primeira era diária e a outra publicada aos domingos, na página Letras & Artes, criada e mantida por Sylvio Back com a indispensável cumplicidade de Ayrton Batista. A inovação produziu uma revolução na vida cultural da cidade. Apesar de sua passagem efêmera (1959-1961), as imagens da diagramação revolucionária e dos ousados tipos gráficos exibiam poetas, escritores, artistas, anarquistas e navegadores da quarta dimensão.
Como esquecer o telex, o instrumento mágico que vencia continentes para transmitir a matéria enquanto as rádios anunciavam o bip-bip do Sputnick (1957) dando voltas na terra? O telex era o protagonista de maior suspense na redação, o oráculo da informação ao representar o mistério e a excitação dos grandes acontecimentos artísticos e esportivos; dos conflitos bélicos; dos incidentes da guerra fria; de tudo o quanto estava rolando no mundo distante, sem o telefone e a televisão. Apenas o rádio funcionava como ponto de encontro da informação recheada com as descargas da transmissão.
Ao recordar a figura amiga e fraterna de Ayrton Baptista, que nos deixou há poucos dias, sinto-me como Carlos Drummond de Andrade: “Do lado esquerdo carrego meus mortos. / Por isso caminho um pouco de banda”.
“Tentemos viver de tal forma que, quando tivermos de morrer,
até o dono da casa funerária fique triste”.
Mark Twain, pseudônimo de Samuel Langhome Clemens (1835-1910), escritor norte-americano.