O sindicalista Antônio Rogerio Magri e o preciosismo vernacular transmitido pelos alto-falantes do cargo de Ministro do Trabalho, no governo de Fernando Collor de Mello, foi pauta jornalística durante algum tempo. Para ele, “o Fundo de Garantia para o trabalhador sempre foi imexível e continuará imexível”. Embora não tivesse ingressado nos dicionários, o neologismo tornou-se notório e foi satirizado em artigos, entrevistas e reportagens. Ganhou autonomia na forma e no conteúdo por uma simples razão: há posições ou funções que, pela sua importância na hierarquia burocrática, constituem base segura para o amanuense dizer o que lhe passa na cabeça.
Outra pérola da linguagem de Magri foi a afirmação convicta de que “a cachorra é um ser humano” e por isso foi levada pelo ministro ao veterinário. Obviamente em veículo oficial. Assim, como diz lucidamente Émile-Auguste Carter Alain (1868-1951), filósofo e professor francês, “todo poder sem controle enlouquece”. Abstraindo o sentido hilário desse regresso no tempo, a verdade é que os animais de estimação (cachorro, gato e outros) conquistaram um lugar ao sol nas relações com seres humanos. Essa verdade é demonstrada pela advogada Thais Precoma Guimarães, especialista em Direito de Família e Sucessões, no sugestivo artigo: “Animais de estimação: coisas ou integrantes da família?” (Publicado com destaque em Cadernos jurídicos, da OAB-PR, p. 53-54).
Ela informa que o Brasil é o quarto país com a maior população de animais de estimação do mundo e, segundo os últimos dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2015 o número de pets era maior que o de crianças nas casas das famílias brasileiras. Quase a metade do número das residências tinha um cão. Essa generosa estatística explica em números a conclusão do poeta e pensador inglês, Bern Williams (1929-2003): “um cão nunca demonstra intolerância ao escolher um dono”.
Segundo a pesquisa da autora, os pets deixaram de ser “o melhor amigo do homem e passaram a ser reconhecidos como membro da família”. São suas estas palavras: “essa nova modalidade familiar, chamada de multispécie, formada por uma pessoa, alguns membros ou um casal e o animal de estimação, com a integração humana e relação de afeto merece um tratamento igualitário na legislação brasileira”.
Um singularíssimo caso, relativo à separação de um casal, foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pode ser assim resumido: o recurso tratava da posse do animal e os vínculos emocionais e afetivos construídos ao longo do relacionamento. Na ocasião, foi reconhecida a conexão do ex-marido com o pet e estipulado o regime de visitação. Como o juiz precisava analisar as provas para bem decidir, o próprio cachorro foi levado como “testemunha” ao processo.
O tratamento que a cultura e a civilização das sociedades humanas reserva aos animais está minuciosamente grafado na Declaração Universal dos Direitos dos Animais,aprovada em 1978 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Embora aceitando princípios e regras de defesa dos animais, o autor, poeta e naturalista americano David Thoreau (1817-1862) é cético quanto à afabilidade: “quando um cão correr para você, assobie para ele”.
Falando sério. Há uma extraordinária sequência de movimentos nervosos de um cãozinho que “roubou a cena” para salvar o dono que desmaiara durante um incêndio. É o ponto alto do filme mudo em preto e branco O artista. A película conquistou cinco estatuetas do Oscar, dentre elas, a de melhor filme, melhor diretor e melhor ator (Jean Dujardin).
Milhares de pessoas em nosso país souberam da morte da cachorrinha Mila (Setter Irlandês), pranteada pelo inconsolado Carlos Heitor Cony em sua coluna na Folha de S. Paulo. Aqui mesmo, em nossa cidade de Curitiba, o Candinho (Cândido Gomes Chagas) imprimiu na capa de seu Paraná em Páginas a imensa foto colorida de sua querida pet.E recomendava a quem entregasse um exemplar da revista: “– leia isso”.
Afinal, os animais de estimação jamais podem ser tidos como objeto de desprezo, abandono ou maus tratos. Em outras palavras: como coisas. Em nossa casa recebo, às vezes, a visita da Penélope (Parson Russell Terrier) – Penny, para os íntimos – que invade a grama em desabalada corrida. Chega, também, a sedutora Amorinha (Chihuahua), com olhos doces de jabuticaba e movimentos do rabinho levantado que parecem gestos de um empolgado maestro. O Dinho (Yorkshire/Pinscher) está conosco há vários anos. Alguma pessoa infeliz abandonou-o à beira de uma rua da vizinhança em meio de um pequeno mato. É por isso que ele revela uma certa tristeza e uma carência que precisam do afago que nunca lhe falta.
Em nossa casa a morte de um estimado cão é sentida como a sensação da perda de um parente. Por isso, eu penso: onde estariam o Lulu, a Tiquinha, a Pedrita,o Carlito,a Suzuka,a Moly e tantos outros, como o querido Max, que nos deixaram? Max (Fox Paulistinha) foi o último. Sentado no banco do jardim, eu ainda o vejo. Caminhando em silêncio na minha memória, iluminada pela ternura de sua companhia.
“Coisa estranha. Ensina-se temperança aos cães,
mas não se pode ensiná-las aos homens”.
Jean de la Fontaine (1621-1695). Poeta e fabulista francês.
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Fonte das citações: DUALIBI, Roberto. Dualibi das citações, 5ª ed., São Paulo: Arx, 2004, p. 327 e 367 (verbetes 147, 827, 829).