No dia 7 de setembro, a cidadania brasileira deveria promover, em todas as cidades, das maiores aos simples vilarejos, as mais diversas homenagens aos mártires da luta pela independência da então colônia submetida ao domínio de Portugal que rapinava nossas riquezas naturais. O movimento, liderado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), eclodiu na Vila Rica, Minas Gerais em 1789 quando, no mesmo ano em Paris, a Assembleia Nacional, ecoando a voz das ruas, declarava o fim do Império e o surgimento de uma República em defesa dos valores que fomentaram a Revolução Francesa: Liberté, égalité, fraternité.
Em nosso país, ao contrário, foi instaurada uma odiosa e cruel perseguição criminal contra os idealistas e corajosos protagonistas da chamada Inconfidência Mineira. A devassa foi aberta em 15 de julho de 1789 e culminou com a condenação à morte de Tiradentes e o degredo e outras penas infamantes aos demais acusados. Mas o sofrimento moral e físico não impediu os versos do poeta Cláudio Manoel da Costa: “Enfim serás cantada, Vila Rica,/ Teu nome impresso nas memórias fica;/ Terás a glória de ter dado o berço/ A quem te faz girar pelo Universo”.
Segue o trecho decisivo da malsinada sentença aplicada pela Relação do Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1792, mantida a ortografia original: “Portanto condemnam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em o lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames praticas, e os mais nos sitios nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Camara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo propria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados,e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve na memoria a infamia deste abominavel Réu;”. (Ortografia original)
A execução da pena capital foi registrada pelo Desembargador Francisco Luiz Alvares da Rocha: “Certifico que o Réu Joaquim José da Silva Xavier foi levado ao lugar da forca levantada no Campo de São Domingos, e nella padeceu morte natural, e lhe foi cortada a cabeça, e o corpo dividido em quatro quartos (…) “. (Ortografia original). E o que sucedeu a Joaquim Silvério dos Reis, o serviçal do reino português, que trocou a ameaça de confisco de seus bens pela delação, oferecida no dia 15 de março de 1789 ao Visconde de Barbacena, que ordenou a devassa? Anos mais tarde ele pediu uma pensão para sua mulher confessando o estado de miséria. “Real Senhor; o Supplicante se acha em uma avançada idade, cercado de molestias chronicas que lhe promettem pouca duração, de vida; e como fica sua mulher e filhos em uma terra extranha, sem bens, nem meios de subsistencia, por perder os que tinha no abundante Paiz de Minas Geraes por conta do dito Serviço. Real Senhor a Mulher do Supplicante tem a honra de ser por tres vezes comadre de Vossa Magestade que não há de permitir que esta, e seus afilhados fiquem expostos á ultima desgraça, e penuria por morte do Supplicante, que com o mais profundo respeito: Pede a Vossa Magestade, que pela sua infinita bondade, e excelsa grandeza lhe faça a graça da Suprevivencia da referida pensão dos 400$000, annuaes, para sua mulher D. Bernardina Quiteria dos Reis, e seus filhos pagos pela mesma Thesouraria, de que E. R. Mercê”. (Ortografia original).
O traidor morreu. Os inconfidentes continuam vivos na memória de um povo.