Como trama de mistério e suspense criada pela fecunda imaginação da escritora inglesa Agatha Christie (1890-1976), surgiu, para um imenso número de curiosos nas plateias de nosso país, a dúvida que reclama a intervenção de Sherlock Holmes. Há algumas perguntas para o mais famoso personagem da literatura britânica de ficção: Rodrigo Janot queria, na verdade, matar o ministro Gilmar Mendes? Não seria tudo uma estratégia de propaganda para o lançamento de um livro de memórias sobre os feitos do ex-Procurador-Geral da República na luta contra a corrupção? Uma reprise da existência das inúmeras flechas que ele tinha armazenadas para atirar contra o governo de Michel Temer? O disparo mortal não ocorreu pela falta de força no dedo indicador para apertar o gatilho, apesar da arma ter sido passada de uma para outra mão? Foi essa a explicação de Janot, frustrando telespectadores sádicos que não puderam curtir a tragédia como lance de catarse. Ou teria sido a “mão de Deus” o poderoso instrumento que salvou a vida do ministro, segundo outra versão de Janot? E seria a mesma “mano de Dios” que ajudou Maradona a marcar o gol histórico da Argentina contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986? Questionado ao final da partida, Dieguito confessou: “Lo marque un poco con la cabeza y un poco con la mano de Dios”.
Mas não acaba aí a sabatina para Holmes e seu companheiro, Doutor Watson: foi sincera a alegação de Janot de que, após matar seu algoz iria suicidar-se, como personagem de tragédia shakespeariana? Por que o ministro teria chegado mais cedo ao local de trabalho, contrariando o hábito de tratar de assuntos pessoais antes do compromisso de horário, segundo diz o ex-Procurador-Geral? E qual foi a razão para revelar agora um fato que teria ocorrido dois anos antes?
O Estado de São Paulo publicou, no sábado, a entrevista do ministro Gilmar Mendes, que teria dito: “não imaginava que houvesse um ‘potencial facínora’”, referindo-se ao comando da Procuradoria-Geral da República (2013-2017). Na edição de domingo o Estadão confirma, para outubro, o lançamento de Nada menos que tudo e Janot explica porque excluiu do seu livro o episódio que durante um bom tempo foi embalado por conta do imaginário homicídio-suicídio: “Não quis dramaticidade”.
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Uma atração semanal da Rádio Tupi (RJ) na década de 50 era o programa “Incrível, fantástico, extraordinário”, produzido e apresentado por Almirante, pseudônimo de Henrique Foréis Domingues (1908-1980), contando histórias de terror e mistério enviadas pelos ouvintes. O enredo, o fundo musical, a entonação de voz e o desfecho eram os pontos cardeais dos episódios carregados de forte e contagiante emoção. Mais ou menos como nos filmes de suspense de Alfred Hitchcock.
Hoje, porém, acontecimentos “incríveis, fantásticos e extraordinários” compõem a pauta rotineira de escândalos e desvios de conduta de agentes públicos. Não causam emoção e nem surpresa da população. Afinal, somente a liberdade de imprensa, em sua mais alta voltagem de surrealismo e excitação, pode explicar a notável importância concedida pelos meios de comunicação à confissão extemporânea de ódio e ressentimento alimentados durante anos por quem não é mais o que era. E transformar o doentio episódio pessoal em matéria de mórbido sensacionalismo.
“Os pensamentos não são mais do que sonhos, desde que não sejam postos à prova”.
WILLIAM SHAKESPEARE (1564, 1616). O maior escritor do idioma inglês foi poeta, dramaturgo e ator.