Segundo dados atualizados no Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em julho do corrente ano de 2019 o nosso país tem a terceira posição no ranking de maiores populações carcerárias do mundo. São 812 mil e 564 pessoas em delegacias de polícia e presídios e quase a metade desse número, ou seja, 41,5 % (quarenta e um por cento, ainda não foi julgada.
Em julho de 2014 havia um total de 563.526 detentos no sistema prisional mais 147.937 pessoas em prisão domiciliar, totalizando 711 463.
É elementar que um considerável número dessa estatística é de pessoas que, embora privadas de liberdade, não são responsáveis por crimes graves como latrocínio, roubo, homicídio qualificado, etc. A quantidade de presos por pequenos furtos é imensa. Também é relevante considerar que muitas delas não cometeram crime algum, mas foram detidas nas constrangedoras blitzen e, sem ninguém por elas, permanecem recolhidas.
Diante desse quadro de infortúnio e desgraça, o Conselho Nacional de Justiça, em 6 de fevereiro de 2015, expediu a Resolução nº 213 (que entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2016), determinando: “Toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da natureza ou motivo do ato, seja obrigatoriamente apresentada em até 24 horas da comunicação do flagrante à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias e que se realizou sua prisão ou apreensão”..
Trata-se da mais importante iniciativa do Poder Público nas práticas rotineiras das prisões. A Constituição determina: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” (art. 5º, inciso 62º). Em outro dispositivo, a Carta Política declara: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” (art. 5º, inciso 65º).
Na audiência, presente o Ministério Público e o advogado ou defensor do preso, o juiz, decidirá sobre a homologação ou não do auto de prisão em flagrante. Em caso de homologação decidirá: (a) sobre a possibilidade de liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares (CPP, art. 319); (b) decretar a prisão temporária ou a prisão preventiva (c) não sendo homologado o auto de flagrante a prisão deverá ser imediatamente relaxada.
Encerrada a audiência, os autos são encaminhados ao juiz natural, ou seja, aquele a quem é distribuído o feito segundo o CPP e as regras de organização judiciária. Os atos já praticados podem ser mantidos, alterados ou revogados, total ou parcialmente.
A chamada Audiência de Custódia é uma revolução copérnica nos usos e costumes de uma antiga prática desumana que consiste, sistematicamente, no mero depósito do preso em um local indigno, sem que a autoridade carcerária atenda seus direitos e garantias fundamentais.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (1969, determina: “Toda pessoa presa ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada (designada por lei) a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo” (art. 6º). ** E o art. 6º enfatiza : “Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais”.
Essa prática judiciária – ocorrente em inúmeras comarcas brasileiras – foi recepcionadapela Constituição quando atende às seguintes garantias instituídas em favor da pessoa presa: (a) tratamento humano (b) respeito à integridade física e moral; (c) comunicação imediata da prisão ao juiz competente; (d) o direito a não incriminação; (e) o relaxamento imediato da prisão ilegal;
No entanto, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/Brasil) promoveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5240), impugnando o Provimento Conjunto nº 03/2015,do TJ-SP e da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, regulando a aplicação desse mecanismo processual no âmbito do aludido Estado.
Distribuído o feito ao Ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal, por maioria absoluta de votos, julgou improcedente a ação.
Em seu luminoso e humanitário voto, o Relator da ADI 5240 (SP) adverte: “É necessário, no entanto, que a sociedade brasileira se conscientize de que o calamitoso quadro da segurança pública no país se deve, em grande parte, ao seu perverso sistema de privação da liberdade, que, embora concebido pelo legislador para reabilitar a pessoa em conflito com a lei e integrá-la ao convívio social, na realidade apenas tortura e desumaniza o preso, gerando elevado grau de reincidência”.